A geração que fez a revolução sexualestá pasma com a precocidade e a liberdade da vida amorosa de seus filhos. Poucos sabem como lidar com a primeira vez dos adolescentes
Desde que o mundo é mundo, pais e mães têm sempre um palpite a dar em cada etapa da vida dos filhos. Nesta virada de milênio, talvez pela primeira vez na história, eles estão atônitos e sem palavras diante de um momento crucial: a iniciação sexual dos adolescentes. A precocidade e a liberalidade com que a garotada está se iniciando na vida amorosa são mesmo de tirar o fôlego de qualquer adulto. Os adolescentes de hoje são filhos da geração que se casou no final da década de 70. Na época estavam em alta o relacionamento liberal, o sexo livre e a contestação à ordem social. É gente que deu liberdade aos filhos, mas não incluiu no pacote um modelo de comportamento sexual. Mães e
pais estão confusos, preocupados e tão carentes de modelo
quanto os próprios filhos. Algumas pistas de como os pais podem agir – assim como uma idéia mais clara de como a garotada lida com a delicada questão da perda da virgindade – estão surgindo de uma enxurrada de estudos sobre a sexualidade. Esses levantamentos nos informam que o mais surpreendente sinal dos tempos não é a idade em que acontece a iniciação, mas onde: na casa da família. Entende-se daí o tamanho da confusão. A juventude já percebeu que sua vida sexual pode contar, de uma forma ou de outra, com a cumplicidade dos pais.
Do ponto de vista cultural, a mudança é profunda, quase revolucionária. Até bem pouco tempo atrás, a iniciação do garoto se dava com prostitutas e a da garota com o marido na noite de núpcias. Hoje, como regra geral, a primeira relação sexual ocorre entre namorados que mantêm um relacionamento estável e o local predileto é o quarto do garoto, quando os pais estão ausentes. Ouve-se falar bastante – e sempre em tom de alarme – que os adolescentes estão começando a vida sexual mais e mais cedo. Não é bem assim. A idade da primeira vez (15 anos para meninas, 17 para os garotos, em média, segundo a Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana) é apenas um ano menor que a registrada nos anos 80. No tempo de nossas avós era comum as mocinhas se casarem e terem filhos aos 15 anos. A diferença é que casavam primeiro e conheciam o sexo depois. A alteração dessa ordem acontecia acidentalmente, mas o tabu era tamanho que poucas moças chegavam a quebrá-lo. Quando o faziam, corriam o risco de ser expulsas de casa pelo pai. O sexo, naquela sociedade tão diferente mas ainda tão perto de nós, era totalmente vinculado ao casamento. Temos aí mais uma reviravolta. A vida sexual ativa dos adolescentes de hoje se dá de acordo com uma modalidade que o ginecologista Nelson Vitiello chama de "monogamia temporária". Significa relacionamento estável e fidelidade, mas não envolve compromissos de longo prazo. O garoto dorme com a namorada e tem o apoio explícito dos pais e amigos. A menina, embora não receba tanta aprovação da família, já não corre o risco de ser espancada porque fez sexo fora do casamento. Ao contrário, para muitos pais é motivo de alívio saber que se trata de um namoradinho conhecido e sadio. Pais tranqüilos? Mais honesto é dizer que se resignaram ao mal menor.
Os pais adorariam encontrar a linha de equilíbrio entre o direito dos filhos à sexualidade e a inclinação dos adultos a adiar a perda da virgindade dos jovens. Mas, infelizmente, isso não existe. No passado, a iniciação sexual era conduzida de acordo com regras bem estabelecidas e a família se preocupava com a maneira como seus rebentos iam ser vistos na sociedade. A questão moral está hoje obscurecida por inquietações sobre o impacto do sexo na qualidade de vida do adolescente. O grande vilão da liberdade amorosa dos jovens desta geração se chama sexo desprotegido. A pergunta que martela a insônia dos pais é como o adolescente vai proteger-se do parceiro errado e das conseqüências de uma primeira vez mal planejada. Os perigos são reais. Desde 1982, foram diagnosticados mais de 20 000 casos de Aids entre adolescentes. Mais próximo da realidade das famílias de classe média está o pesadelo da gravidez indesejada. Um bebê fora de hora é o fim da autonomia e dos planos da juventude, além de se transformar quase sempre num fardo para os avós. Há um paradoxo nesse assunto, que só os hormônios a mil e a impetuosidade natural da idade podem explicar. Nunca uma geração esteve tão bem informada sobre métodos anticoncepcionais e a necessidade de proteção contra doenças sexualmente transmissíveis. Os números – a cada ano nasce 1 milhão de filhos de mães adolescentes no Brasil – mostram que nem por isso tomam os cuidados necessários.
A modelo paulistana Daniele Gomes, de 17 anos, teve sua filha Nathalia no final de 1997. Ela engravidou de seu primeiro namorado, um rapagão de 20 anos com quem se relacionava já havia quase três. Ambos eram virgens e a primeira vez ocorreu seis meses depois dos primeiros beijos. Foi no quarto dele, num fim de semana em que a família viajou. "Nós tínhamos aquele pensamento mágico de que nada iria acontecer com a gente", diz Daniele. Seu pai, José Evangelista Gomes, só soube que seria avô quando o barrigão apareceu. "Caí das nuvens", desabafa. "Sempre fomos muito liberais, falávamos de sexo com liberdade, sempre orientamos nossa filha. Como pôde acontecer?" Da mesma forma que não há receita infalível para transformar os filhos em pessoas felizes e bem-sucedidas, não existe padrão para encaminhá-los sem riscos pelos meandros do sexo. O mais comum é que se repita a velha fórmula da conversa séria de pai para filho, ou de mãe para filha, em que o adulto constrangido dá uma noção geral e insossa de como funciona a reprodução das espécies, quando o que está interessando o jovem é o romance, o desconhecido, a aventura, a paixão, o calafrio que percorre o corpo ao ver aquela pessoa especial. Os pais também costumam falar de Aids, camisinha e, ufa, vamos mudar de assunto. A conversa solene é um erro, pois normalmente assusta e inibe o jovem. Há também os pais que vão se aproximando como quem não quer nada, para sondar se o filho ou filha está transando ou não. Alguns tratam de criar um clima de cumplicidade forçada. Outros fingem que não sabem de nada, como se isso fosse fazer o problema sumir. Não vai, pois a primeira vez dos filhos vai ocorrer independentemente da vontade de papai e mamãe. E eles só saberão depois, se por acaso vierem a saber, porque o segredo é a regra. O bom senso recomenda que os pais tratem a questão com naturalidade desde a infância e estejam disponíveis para conversar, se os filhos quiserem. Mas nunca devem impor o assunto, pois os adolescentes prezam acima de tudo a própria intimidade. Os pais precisam aceitar, por mais doloroso que pareça, que a decisão não é deles. "Estão tendo de engolir a vida sexual dos filhos de qualquer jeito, às vezes à custa de muito anti-ácido", diz o psicoterapeuta Moacir Costa, autor de vários livros sobre sexualidade.
A modelo paulistana Daniele Gomes, de 17 anos, teve sua filha Nathalia no final de 1997. Ela engravidou de seu primeiro namorado, um rapagão de 20 anos com quem se relacionava já havia quase três. Ambos eram virgens e a primeira vez ocorreu seis meses depois dos primeiros beijos. Foi no quarto dele, num fim de semana em que a família viajou. "Nós tínhamos aquele pensamento mágico de que nada iria acontecer com a gente", diz Daniele. Seu pai, José Evangelista Gomes, só soube que seria avô quando o barrigão apareceu. "Caí das nuvens", desabafa. "Sempre fomos muito liberais, falávamos de sexo com liberdade, sempre orientamos nossa filha. Como pôde acontecer?" Da mesma forma que não há receita infalível para transformar os filhos em pessoas felizes e bem-sucedidas, não existe padrão para encaminhá-los sem riscos pelos meandros do sexo. O mais comum é que se repita a velha fórmula da conversa séria de pai para filho, ou de mãe para filha, em que o adulto constrangido dá uma noção geral e insossa de como funciona a reprodução das espécies, quando o que está interessando o jovem é o romance, o desconhecido, a aventura, a paixão, o calafrio que percorre o corpo ao ver aquela pessoa especial. Os pais também costumam falar de Aids, camisinha e, ufa, vamos mudar de assunto. A conversa solene é um erro, pois normalmente assusta e inibe o jovem. Há também os pais que vão se aproximando como quem não quer nada, para sondar se o filho ou filha está transando ou não. Alguns tratam de criar um clima de cumplicidade forçada. Outros fingem que não sabem de nada, como se isso fosse fazer o problema sumir. Não vai, pois a primeira vez dos filhos vai ocorrer independentemente da vontade de papai e mamãe. E eles só saberão depois, se por acaso vierem a saber, porque o segredo é a regra. O bom senso recomenda que os pais tratem a questão com naturalidade desde a infância e estejam disponíveis para conversar, se os filhos quiserem. Mas nunca devem impor o assunto, pois os adolescentes prezam acima de tudo a própria intimidade. Os pais precisam aceitar, por mais doloroso que pareça, que a decisão não é deles. "Estão tendo de engolir a vida sexual dos filhos de qualquer jeito, às vezes à custa de muito anti-ácido", diz o psicoterapeuta Moacir Costa, autor de vários livros sobre sexualidade.
O que passa na cabeça da princesinha do papai na hora de tirar a roupa diante do namorado pela primeira vez? É mais fácil dizer o que não passa na cabeça dela. Estudos mais antigos registravam um grau maior de fantasia e uma enorme disposição feminina de conservar a virgindade à espera de um grande amor. Levantamentos atuais mostram que a adolescente encara a vida afetiva de modo bem mais pragmático. Em geral, ela perde a virgindade com um namorado firme, por quem tem afeto e confiança – e, evidentemente, atração física. Seis meses de namoro é considerado tempo adequado para iniciar a vida sexual. Diferentemente do que pode ter ocorrido com suas mães, o sexo não é uma bandeira de rebeldia, mas é visto como uma etapa natural num namoro. "A garotada encara a primeira vez como algo inevitável no desenvolvimento de qualquer pessoa", diz a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade da Universidade de São Paulo. "A maioria está até consciente de que não será grande coisa, porque vão estar nervosos, ansiosos e, evidentemente, porque são inexperientes." De onde a meninada tira tanta desenvoltura para lidar com o sexo?
A televisão, o cinema, a imprensa, a propaganda inundam o cotidiano dos jovens com apelos sexuais jamais vistos por outra geração. É daí que nasce a fantasia de que toda transa é maravilhosa. Se o adolescente se deixa influenciar por esse bombardeio, poderá ter decepções na vida real. Mas paradoxalmente a fantasia, alimentada pelos meios de comunicação, é contrabalançada até certo ponto pela experiência prática que os jovens tiram dos namoricos quentes que entraram na moda nos últimos anos da década de 90. "A iniciação sexual hoje tem menos fantasmas que a de gerações anteriores porque está começando no ficar", opina Tania Zagury, educadora especializada em adolescentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Etapa intermediária entre a paquera e o namoro, "ficar" permite aos jovens liberdades que a geração de seus pais só desfrutavam numa fase avançada. "Eles conhecem as sensações de prazer e isso os empurra com mais facilidade para a relação sexual", diz Moacir Costa. "Os jovens aprendem como despertar o desejo e vencem as inibições antes mesmo da transa em si." Assim, os adolescentes chegam à primeira vez mais bem preparados que os das gerações anteriores. Nada disso garante uma estréia sexual de filme de Hollywood. Uma pesquisa da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo notou que apenas uma em cada cinco garotas sente prazer na primeira vez. A paulistana Carolina Piza, 18 anos, perdeu a virgindade aos 15, com o primeiro namorado, e lembra bem da decepção. Durante cinco meses, ela percorreu o caminho da intimidade crescente que vai de pegar na mão às carícias mais íntimas e se julgou pronta para o grande salto. "Tive a impressão de que se faz a maior propaganda de uma coisa que não corresponde à realidade", diz. "Fiquei com medo de que fosse sempre assim. Na segunda vez, felizmente, foi bem melhor."
Carolina está autorizada a levar o namorado para dormir em casa. "Permitir que minhas filhas tragam os namorados para cá é uma forma de proteção, de mantê-las a salvo da rua violenta", diz sua mãe, Edit. O pai, Antonio Sérgio, diz que se incomoda menos em encontrar um rapaz desconhecido no café da manhã do que com o jeito descontraído com que os jovens aparentam encarar o sexo. "Parece que virou brincadeira", pondera. A atitude da família Piza, que permitiu às filhas dormir com os namorados dentro de casa, tornou-se comum. Os pais têm a esperança de que seja mais fácil controlar a vida sexual de seus filhos se ela ocorrer nos limites domésticos. Nas gerações anteriores, seria necessário armar uma operação de guerra para transar em casa. Pesquisa conduzida pela Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana verificou que 33% dos meninos e 25% das meninas iniciam sua vida sexual tendo como cenário o próprio quarto. Apenas 10% dos meninos transam pela primeira vez em motéis. O carro, o ícone sexual por excelência de gerações anteriores, fica somente com 6%.
A dona de casa Irone Magnini, de Curitiba, sempre procurou tratar com naturalidade assuntos espinhosos, como sexo, com os filhos Mayron, 18 anos, e Markyan, 16. O mais velho viu uma camisinha pela primeira vez aos 5 anos, quando manifestou curiosidade sobre o assunto. "A primeira transa é tão natural quanto a primeira volta de bicicleta", resume Irone. Mayron optou por ter uma iniciação sexual à moda tradicional. O pai, o advogado Marlus, pagou uma prostituta pelo serviço. "A pressão dos amigos era tremenda. Eu era o único virgem da turma", diz Mayron. "Foi bom, mas não é uma experiência que gostaria de repetir ou recomendar." O caçula Markyan já decidiu que sua primeira vez será com uma namorada, "uma pessoa legal". O carioca Alair Ferreira, 18 anos, quando determinou que era chegada sua vez, há três anos, consultou a mãe. "Ela me perguntou se não era muito cedo, conversamos e chegamos à conclusão de que o legal é a transa acontecer com alguém que tenha a ver com a gente." Está se generalizando o conceito de que a mulher tem o mesmo direito dos homens de fazer sexo antes do casamento, mas nenhuma menina deve esperar que papai aplique essa regra com entusiasmo. Quando se trata de filhas, o recado é quase sempre "não tem pressa". Os pais têm razão, porque é para a menina que sobra a gravidez indesejada. Ela também está mais suscetível às doenças sexualmente transmissíveis.
Bem comum é a mãe, diante da inevitabilidade da iniciação sexual da filha, levá-la ao ginecologista para uma sessão de conselhos práticos. A maioria das meninas, porém, prefere evitar as indiscrições do médico conhecido da família e procurar alguém recomendado pelas amigas. A estudante gaúcha Laura Soares da Silva, 15 anos, que vive em Blumenau, sempre conversou abertamente com os pais sobre sexo. Se sobrava alguma dúvida, esmiuçava os detalhes em livros especializados e revistas femininas. Em julho do ano passado, dois meses depois de começar a namorar um colega de sala de aula, Laura procurou ajuda profissional. O casalzinho havia decidido transar e não estava seguro de como prevenir a gravidez. "Depois de conversar com a médica, fiquei mais tranqüila e tomei a primeira pílula quando saí do consultório", conta Laura. A primeira transa foi na casa dela e a pílula foi reforçada com o uso da camisinha. "Não havia por que impedi-la de dormir com o namorado", avalia a mãe, Maria Iderna Ramires. "Quando eu tinha a idade dela, isso acontecia com muita culpa. Não queria que a minha filha fizesse nada escondido." A trajetória da mineira Arislana Brito, 18 anos, seguiu por caminhos diferentes. A primeira experiência aconteceu numa noite de réveillon na casa do namorado, há dois anos. A mãe, Elizete, só soube no ano passado, quando Arislana engravidou de outro namorado. "Fiquei chocada. Na minha época, se uma moça transasse com o namorado, ficasse grávida ou não, tinha de casar", diz Elizete. Ela deu à filha a mesma educação conservadora que recebeu dos pais e hoje se arrepende de não ter conversado sobre sexo em casa. Apesar do susto, deu total apoio à filha. "Não tive escolha. Afinal, os tempos são outros e casar virgem faz parte do passado." No que vai dar isso tudo? São mais de 32 milhões de jovens entre 15 e 24 anos no Brasil, criando novas regras para um jogo eterno. Alguns são maduros para jogar no primeiro time. Procuram ajuda profissional, usam preservativos e conversam com os pais. A maioria não está nem aí. Os pais, bem, os pais estão preocupados.
Com reportagem de Rodrigo Vieira da Cunha, de Porto Alegre,Daniella Camargos, de Belo Horizonte, Rachel Verano, de Curitiba, Pablo Nogueira, de São Paulo